segunda-feira, 2 de maio de 2011

Ford 1951

Para quem gosta de carros, leia pois o texto é muito bom.
Diz ele; Sem tatuagem, sem piercing, sem brinco: eu sou um rodder


Ligo o velho Fordão. Depois de duas manhas ele ruge dócil.O motor entra em funcionamento e lucidamente me dou conta que estou a bordo de um Ford Custom 1951 modificado, um hot rod. Autêntico, por sinal. Câmbio na coluna, três marchas a frente e uma ré.Ligo o som e aparece na tela do DVD um filminho achado no YouTube sobre outros hots. Nem ligo, engato a primeira e o pequeno Goodzila que mantenho na minha garagem começa a se deslocar. Já na saída, minha vizinha acostumada a cor preto fosco do carango, ainda estampa a mesma cara incrédula da primeira vez que o viu.Aceno. Sorrisinho. Deixo-a rumo a minha aventura. Na primeira esquina, testo os freios. Parou. Alívio. De pé, na calçada, um homem estático, de sacolas de super-mercado, está petrificado pela visão. Inimaginável o que pensa ele olhando o velho carrão com visual criminoso. Forço a embreagem dura, engato a primeira, o motor V8 solta sua potência e sigo meu curso.Sol, tarde linda e um hot rod. A vida sabe ser bela quando quer.Vamos deslizando pela avenida e sob olhares incrédulos posso ler labialmente: “Um Hot Wheels gigante, mãe! Olha o carro do Stallone!”Próxima esquina. Sinal. Stop. Fico ouvindo o velho motor 8ba, projeto e arquitetura do próprio Henry Ford, ecoando sons do passado. História pura. Estou a bordo de um clássico.Meus devaneios são de abrupto interrompidos por um motoqueiro de sorriso aberto. “Massa, cara. Show mesmo. Ainda vou ter um…”Arranca rápido e fico pensando no que ele disse. Vai ser um longo caminho, mano.Sigo meu destino. Trocando marchas, trocando reminiscências. O ronco viril e o cheiro suave de gasolina vão suprindo minhas lembranças.Adiante um aceno. Um senhor de oitenta anos. Paro o carro no meio fio. Chega na janela lentamente. Aciono o vidro elétrico. Dá tempo de ouvir a frase: “Muito carreguei batata num destes… Tá um pouco diferente, mas vi meu passado, obrigado.”Sou atacado por uma emoção arcaica para um old school: ternura.Adiante, man. Contorno mais uma esquina e já vislumbro ao longe meu destino. Construção antiga, sólida, grades. Meio quarteirão. Lá muita gente sofre e aprende. Aproximando. Diminuo. Já dá para ouvir a trilha musical do DVD: ZZ Top.Há uma vaga bem em frente. Estaciono o monstro. Ops, homem da lei a estibordo. Leva a mão ao nariz. Já olho de canto de olho o porta-luvas. A resposta está ali. Ele sorri, acena de polegar um positivo e meneia a cabeça para cima e para baixo em tom de aprovação. Alívio outra vez.Desligo a máquina. Dá pra ouvir pequenos estalos do motor reclamando. Abro lentamente a porta e salto do macio banco de couro para a vida real. Contorno o carro. Cromados brilhando, vidros escuros, pneus banda branca. Visual fora da lei.Fico estático em frente à velha, mas bem cuidada, construção. Da portaria um aceno discreto. Disciplina. Abre-se o grande portão de ferro e sai quase correndo meu carona.Arrastando sua mochila de rodinhas da Hot Whelles, vem meu filho de seis anos: “Manero, pai, veio no Fordão!” Coloco-o na cadeirinha elevada no banco de trás. Cinto colocado. Ainda posso vê-lo, se exibido, acenando para os coleguinhas boquiabertos. Ligo o motorzão.Olho o relógio: ainda dá tempo pra ver Chaves na TV com meu filho.Sou um homem comum. Pai. Marido. Sem tatuagem. Sem brinco. Mas sou cool. Tenho um hot rod.
fonte http://papodehomem.com.br/sem-tatuagem-sem-piercing-sem-brinco-eu-sou-um-rodder/
via Papo de Homem - Lifestyle Magazine de Carlos Alberto Alvares da Cunha em 25/04/11
Colaboração de Guilherme Pfau

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